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Agarrem-nos senão eu mato-me!!!: Lembrar

26 março, 2007

 

Lembrar

Ainda não fui dar uma volta pela blogosfera mas presumo que deve andar tudo em alvoroço a postar sobre “o maior português de sempre”. Eu não sou muito de aderir a essas modas previsíveis mas há algo que me apetece dizer, e vou aproveitar pois por aqui por enquanto não há censura!
Foi a mesma liberdade que brotou de um cravo na claridade da primavera que permitiu que ontem, a personalidade mais sombria da nossa história fosse “votada” (não eleita!!!) o “maior português de sempre”.

Ontem tivemos a prova de que a liberdade quando existe é para todos, quer a estimem quer não! É disso que temos de nos orgulhar independentemente da tristeza que sinto de haver pessoas (quero acreditar que na sua maioria por ignorância), que querem brincar com a história.
É conhecido o perverso prazer de criar agitação a coberto da cobardia do anonimato. Por isso o que se verificou terá apenas a importância e o significado que cada um lhe quiser dar.
Como tal não escrevo aqui hoje para criticar ninguém mas sim para lembrar!

...para lembrar todos os que foram assassinados pela policia politica e pelos serviços secretos de Salazar.
Para lembrar os que morreram e os que sobreviveram na guerra colonial, forçados a lutar com o cano da espingarda do regime que defendiam, encostado à sua própria cabeça, por uma causa que não era a sua.
Para lembrar os que foram encarcerados durante longos anos em condições desumanas por terem cometido o crime de sonhar com a liberdade.
Para lembrar os que foram torturados brutalmente.
Para lembrar as famílias separadas dos seus filhos, que partiram ainda meninos para viver longe, num país desconhecido…em alternativa à guerra ou à prisão.
Para lembrar os que nunca se conformaram e que lutaram na clandestinidade abdicando, sem hesitar, da sua própria vida.
Para lembrar aqueles que cujas mão calejadas da enxada era a única coisa que lhes enchia as algibeiras.
Para lembrar os que tiveram de comer a própria fome ao jantar para que um miserável pedaço de pão bolorento matasse a fome que ameaçava os seus próprios filhos.
Para lembrar a frouxa chama da lareira que dava a luz, fazia a sopa, e aquecia a alma que os pés gelados não deixavam adormecer.
Aos que lutaram, aos que sofreram, aos que acreditaram, aos que tombaram com o punho cerrado segurando nele as sementes de Abril…deixo um obrigado em versos de um poema que podem ler AQUI na integra.

Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra
(…)
Era uma vez um país
onde o pão era contado
(…)
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.
(…)
vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava
podre de comer a sua terra.
Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos.
Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.
Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.
(…)
Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão
esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.
Não tinham armas
é certo
mas tinham toda a razão
(…)
uma força perseguida
que na escolha do mais forte
faz com que a força da vida
seja maior do que a morte.
(…)
Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
(…)
Foi esta força sem tiros
de antes quebrar que torcer
esta ausência de suspiros
esta fúria de viver
este mar de vozes livres
sempre a crescer a crescer
que das espingardas fez livros
para aprendermos a ler
que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra.
(…)
Mesmo que tenha passado
às vezes por mãos estranhas
o poder que ali foi dado
saiu das nossas entranhas.
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
(...)
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu.
(…)
Os tais homens feitos de aço
temperado com a tristeza
que envolveram num abraço
toda a história portuguesa.
Dai ao povo o que é do povo
pois o mar não tem patrões.
– Não havia estado novo
nos poemas de Camões!
(…)
agora ninguém mais cerra as portas que Abril abriu!
Ary dos Santos, "As portas que Abril abriu"

Comments:
Excelente post. Ainda hoje tive uma acesa discussão por causa deste senhor e da forma como a ignorância do povo português - porque acredito que só a ignorância permite tal resultado -se revela cada vez mais e de uma forma berrante. Em muitas coisas este país me decepciona. Ontem, esta foi mais uma delas. Prefiro pensar que só os velhotes se deram ao trabalho de gastar os seus 60 cêntimos mais IVA para provar que "no tempo deles não havia esta ladroagem" e que nada disto prova o que quer que seja nem é sinal de uma maioria. Assim espero.

**
joaninhadepapel.blog.com

(em relação ao teu comment: a parte do "biologicamente iguais" é impossível... por aí já fica descartada a tua hipótese. Apesar de ser uma "treta", obrigada)
 
bato muitas palmas a este teu post.

excelente.

um grande abraço.
 
sim, (já comentei isto hoje), mas é mesmo o cúmulo do ridículo, e a única explicação que eu encontro é mesmo essa: quem votou, fê-lo por ignorância, porque se calhar foi do Salazar que mais ouviram falar..
 
Claro que o que aconteceu antes do 25 de Abril foi péssimo.
Mas o que ontem aconteceu apenas se deve ao que se fez (ou não se fez) do 25 de Abril até hoje.
 
Este comentário foi removido pelo autor.
 
Excelente post que transmite tudo o que sinto. Não adanta escrever muito porque vou chover no molhado.

O povo português é assim. Não chega a ser surpreendente mas é de uma estupidez atroz. Depois vão para a rua cantar "Portugal allez" nos Euros e Mundiais e nem sequer consciência do que é um país têm!

Cumprimentos.
 
lfm, ainda assim prefiro o presente que temos ao passado que tivemos. Mas sem nunca nos acomodarmos ao que temos...é preciso querer mais e melhor.
Só É pena que uma força do tamanho da força que outrora fez o "impossível", não seja hj usada com o mesmo crer e vigor para melhorar...e trasformar. Sendo que hoje existem condições para lutar por algo melhor que antes de 74 ão existiam.
 
tens razão :-) esquece a música ;-)
 
Simplesmente um grande post!
O senhor foi votado pela 1ª vez e como tu disseste graças à liberdade.

bjos
 
No que dependesse do nosso "querido" Salazar, íamos todos presos só de dizer que a ditadura dele só trouxe ignorância a um país que, em tempos, teve tudo para ser o maior!

Já me revoltei mais com o resultado deste concurso. Agora...tenho é pena dos ignorantes que não sabem quem foram alguns reis e que não conhecem a obra dos escritores nomeados! Tenho,realmente, muita pena...
 
João
Nunca vi esse concurso. E pela votação, percebi que não perdi nada!
Achei o teu comentário, simplesmente FANTÁSTICO! Não é preciso dizer mais nada!
Liberdade, sempre !!!
 
Por acaso n vi a votação, só soube quem tinha ganho, na rua.
Ouvi uma conversa...(sim, é feio).
Mas nem sei o que pensar, sobre esta vitória.
Estás de parabens (mais uma vez) pelo excelente post que escreveste.
Beijito
 
então mas esse concurso não era pra rir como o outro que anda a dar aí não sei em que canal, que tem belas e tal?..
olha, hoje tem sido uma galhofa á conta deles,..é de partir o caco a rir.(inda ninguém percebeu o humor disto?)..
recuso-me a pensar doutra maneira.
 
----NOTICIA D'ULTIMA HORA-------
Parece que vai haver repetição do programa,com novas votaçôes.
 
Este comentário foi removido pelo autor.
 
Pois...

Eu não votei em ninguém, porque de facto não sabia quem era o maior português de sempre...

Mas sei que o Fernando Pessoa era para o baixote, o D. Afonso Henriques também não era alto. O Salazar também não era assim lá muito alto, nem o D. João II, nem o Aristides... Entre o Cunhal e o Camões, sou sincera, não sei qual destes era o mais alto do grupo...

O Marquês de Pombal variava na altura, consoante o penteado...

Falta-me algum nome?

Pois... Devia ser muito baixo para me lembrar dele...

Para a próxima, arranjem uma apresentadora mais alta. Talvez, uma com mais pescoço, e que não vá descalça nem insegura...

... Assim como assim, o Daniel Oliveira era o mais alto... esse, e aquele jornalista da rêtêpê, da série Lopes da Silva (aquele que tem péssimo gosto para escolher gravatas)...

Ah! Se concordo com a votação? Claro que sim.

Sou uma democrata (entenda-se aqui que sou pela democracia), e portanto, aceito as maiorias, mesmo as compradas e as viciadas. Fazer o quê?

(será que só eu é que entendi esta vitória do "rapa-tudo" como um voto de protesto?! o povo é soberano e irónico...)

looooooool
 
anabela, segundo consta ( e juro por todos os santinhos que estou falar a sério!!!) o D. Afonso Henriques era um homem de grande porte segundo reza a historia.
Dotado de uma imponencia fisica considerável como demonstrou em algumas batalhas ao lado das suas forças! ou seja, uma espécie de "William Wallace"(braveheart)português.
...foi o que ouvi dizer da boca do Prof. José Hermano Saraiva! e que o homem sabe de história ninguém duvida!
 
Excelente post, João.
E muito pertinente o poema. Se toda a gente o pudesse ler, talvez compreendesse melhor o que foi o Antigo Regime.
 
Beijos
 
Também n acompanhei o concurso (a Maria Elisa irrita-me profundamente), e pelos vistos tb n perdi grande coisa... tb já ouvi falar na questão da manipulação... custa-me a crer, mas já acredito em tudo...
 
João, acredito em ti, quando dizes que D.Afonso Henriques era o maior...
... mas não é preciso rezares por todos os santinhos. Ok? lol
 
Nunca segui o concurso porque sempre me pareceu que ia dar uma imagem errada do que realmente foi importante na nossa história, não me enganei.
 
Foi uma votação que sempre achei estúpida demais para me dar ao trabalho de votar!!!
Como se pode votar no maior português de sempre, sem existir um critério? Ao longo de perto de 11 séculos de história, como se pode eleger um único português? Com certeza que existem grandes portugueses que se destacam nas suas áreas específicas, e não dá para misturar tudo num único saco…
Depois foi o resultado desta votação sem cabimento. :s
Só não me irritei mais, porque nunca liguei a mínima para este programa, mas que fiquei desiludida como o povo português, isso fiquei bastante. Realmente o nosso povo tem memória muito curta. Se querem penalizar os governos pelo estado do nosso país, têm toda a legitimidade, mas o que ganham em eleger um ditador que nos fez tão mal? Ele pode ter feito muita coisa boa, mas nada supera todo o mal que provocou.
Eu tenho a felicidade de já ter nascido num país livre, mas os meus avós e pais não tiveram a mesma sorte. Eles sofreram na pele o que era viver numa ditadura liberada por esse senhor que foi, agora, eleito democraticamente. No tempo dele, isso não teria sido possível, pois ele já estava eleito logo à partida.
Fiquei triste, muito revoltada por ver como o povo português não dá valor ao que tem.
Podemos não estar muito bem, com tanta violência, com tanto desemprego, com tanta desigualdade, mas porra, somos livres!!!

A ti, João, aplaudo de pé tudo o que escreveste. Por acaso não me leste o pensamento quando o escreveste?!?! ;)
 
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